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quarta-feira, 28 de julho de 2010

Entrevista

Com Marcelo Ronconi -
Filósofo, Músico e Diretor da UNA (União Nacional dos Ateus)



Fernanda: O que é ser ateu? Por que existe tanta polêmica em torno deste assunto?
Marcelo: De uma forma direta e simples ser ateu é não acreditar na existência de nenhum deus, ou ainda afirmar categoricamente que nenhum deles (Iavé, Osíris, Apolo, Tupã...) exista. Há quem confunda o “não acreditar” com “não confiar”, ou seja, pensam que o ateu é aquele que não “ousa” duvidar da existência deste ser, mas só que não o considera de confiança. O termo é na maioria das vezes pejorativo e durante muitos séculos foi empregado a pessoas que não duvidavam da existência de deus, mas apenas destoavam da doutrina oficial da igreja católica. Assim vemos figuras francamente religiosas sendo chamadas (ofendidas?) de atéias, quando que heréticas. Hoje em dia existe um pouco mais de precisão, de consenso, e ateu é aquele que se emancipou das fantasias religiosas. É inevitável que o ateísmo cause incômodo e eu particularmente duvido de que um dia a humanidade seja capaz de assumir, de tragar, a realidade tal como ela se apresenta sem recorrer a suas muletas de faz-de-conta. Ainda assim é certo de que existam muito mais ateus do que as pesquisas indicam, mas como infelizmente o preconceito é enorme, e nem todos são corajosos o suficiente para afirmar sua lucidez, cá estamos nós às mínguas... Ser ateu é ser como qualquer outra pessoa, com a diferença de que não se recorre a nada sobrenatural.



Fernanda: O que leva alguém a não crer em divindades ou seres espirituais?
Marcelo:É uma pergunta que deveria ser feita ao inverso. “O que leva alguém a crer em divindades? O que leva alguém a selecionar o que acha razoável nos dogmas de uma instituição religiosa, e desprezar ao bel prazer uma gama vergonhosa de crimes, de contradições, de evidências claras de que não há nada de ‘divino’ em sua instituição escolhida como se escolhe uma roupa no shopping, e mesmo assim se dizer em paz espiritualmente? Em quê acrescenta à vida aceitar algo evidentemente improvável?”. Eu falei tanto da ideia de deus quanto da religião organizada. É bem mais fácil depreender destas perguntas as mais variadas ilações: medo da morte, uma profunda aversão à realidade pela sua crueza, sua indiferença às angústias humanas, a tradição e aquela ingênua garantia de que se todos fazem assim é porque é o correto a se proceder... O que é uma oração senão um berro a plenos pulmões para um universo calado? O ateu é alguém em estado puro e isso é insuportável e imperdoável para muita gente. Há quem considere ofensivo aceitar a vida e suportá-la com seus horrores e belezas sem o vício da irracionalidade, da fé; se estas mesmas pessoas ousassem refletir compreenderiam que não precisam fazer parte de um rebanho para ser feliz; a ignorância só pode ser virtude em um lugar onde o obscurantismo reina pacífico.



Fernanda: Como um ateu pode seguir a ética e moral sem ser baseado em dogmas religiosos existentes?
Marcelo:Quem se vê como criminoso caso passe a considerar que deus não exista é alguém que deve procurar ajuda psiquiátrica imediatamente. É célebre e rudimentar o que Dostoievski colocou na boca de Alieksiei, um personagem de seu romance “Os Irmãos Karamazov” quando diz “Se Deus não existe, então tudo é permitido”. Tudo é possível, mas só seria permitido se todos os homens sobre a Terra fossem psicopatas. Se hoje em dia nós vivemos em uma relativa decência não é graças a Bíblia que defende tanto um amor ao próximo quanto atrocidades das mais repugnantes e que exigiu durante séculos várias e várias revisões, mudanças intencionais e não intencionais nos textos e ainda assim trazem tantos exemplos de perversidades. Ninguém deixa de torturar ninguém só porque ouviu falar que um homem que andava sobre as águas há dois mil anos atrás disse que isso é errado. Infelizmente há quem imagine um mundo caótico antes do advento das principais religiões monoteístas. Mas quantas foram as sociedades que existiram perfeitamente com suas leis, com suas tradições, com seus deuses – que hoje ninguém nunca ouviu falar? Os valores da Antiguidade não são os que temos hoje e isso é uma verdade histórica, mas a própria história é dinâmica, para o horror dos mais fanáticos que gostariam que todos vivessem sob uma coroa e um crucifixo. Um ateu simplesmente admite o que é evidente, engole a seco toda a crueldade do real e procede conscientemente. A sociedade tem lei, nós temos nossas emoções inerentes, e ao contrário dos que precisam de “dogmas” (desculpe o baixo calão) para não fazerem bobagens, nós usamos a razão e encaramos o fato de que tudo depende tão-somente de nós mesmos. Historicamente nós somos todos cristãos porque legamos e vivemos em sociedades que devem tanto ao judeu crucificado quanto ao histérico de Tarso quanto também ao Constantino... Se você afirma o evidente, ou seja “deus não existe” isso não quer dizer que você esteja dizendo “vivemos no pior dos mundos possíveis graças ao cristianismo”; para todos os efeitos somos mui cristãos. Mas vá a uma penitenciária e pergunte quantos ali são ateus e quantos acreditam e temem a deus e quantos são ateus. É fácil inferir a resposta. Todos nós devemos aos gregos aos judeus e aos cristãos o que somos hoje e isso não contrasta com a negação dos deuses.



Fernanda: Existe preconceito dos ateus para com os religiosos? E vice-versa?
Marcelo: Muitas pessoas com interesses absconsos, e com discurso tão pouco desenvolvido que chega a ser suspeito, costumam apregoar que não existe preconceito contra os ateus; o curioso nisso é que a maioria dos que afirmam e divulgam esta bobagem são religiosos. Esse estratagema tão pueril quanto encardido pretende calar os grupos organizados de ateus que procuram sua legitimidade, e usam do falso argumento de que ao contrário dos homossexuais e de outras minorias, os ateus não sofrem agressões físicas ou verbais. Uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo constatou que os brasileiros sentem tanto ódio/repulsa por ateus quanto por usuários de drogas. Eu não me recordo a porcentagem exata, mas os ateus de um modo geral lideraram em antipatia. Há casos de pessoas que foram demitidas por simplesmente não acreditarem em deus e inclusive um assassinato até onde tenho conhecimento divulgado pela Gazeta. Então existe sim um preconceito velado dos religiosos e também aqueles que acham que o são, para com os ateus (ainda que muitas pessoas sejam atéias e nem sequer se dêem conta). O ateísmo é uma verdade que incomoda, mas isso não pode justificar nenhuma barbárie. Já da parte dos ateus eu não duvido que existam preconceitos... Eu não conheço nenhum ateu que tenham se suicidado explodindo religiosos em atentado suicida, nem outros que tenham jogado aviões contra arranha-céus, ou em menor escala, sequer conheço um que tenha ofendido ou agredido um crente, mas provavelmente a intolerância religiosa somada a burrice crônica de alguns teístas pode sim alimentar alguma antipatia.

6 comentários:

  1. Muito legal a entrevista, eu por muito tempo fui ateu, agora prefiro me nomear agnóstico pois se Deus existe ou não existe, nunca conseguiremos provar.

    Acho que na verdade não acredito, mas prefiro ficar neutro. (em cima do muro heheh)

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  2. Obrigada pelo comentário!
    Seja bem vindo ao blog!!

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  3. Adorei a entrevista, Fernanda. Parabéns e obrigado por tê-la feito.

    Eu gostaria de publicá-lo no Arauto da Consciência (http://consciencia.blog.br), você autoriza?

    bjs

    P.S: não sou jornalista, embora tenha tentado cursar Jornalismo - na ocasião eu desisti por não-identificação com o curso e fraqueza psicológica.

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  4. Eu sou ateu.
    Já escrevi muito sobre o tema e já até critiquei o exagero de alguns ateus, dá uma lida:
    http://aureliojornalismo.blogspot.com/2010/01/una-o-ateu-que-te-escuta.html
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    http://aureliojornalismo.blogspot.com/2010/01/furia-dos-pastores-os-ateus-de-mau.html
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    A maioria dos ateus não têm preparo intelectual para refutar a bíblia:
    http://aureliojornalismo.blogspot.com/2010/06/da-leitura-e-compreensao-biblicas.html

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    http://aureliojornalismo.blogspot.com/2010/06/ateismo-e-negacao-de-que-deus-existe.html

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